Fear this queer: Violet Paget (Vernon Lee)

Retrato de Violet Paget


Um dos meus podcasts favoritos é o Classicxs sem Classe da Juliana Brina, nele a Juliana busca falar sobre autoras que foram esquecidas ou que ficaram à margem do cânone, ele é interessantíssimo e já peguei recomendações preciosas lá. Algum tempo atrás eu estava ouvindo alguns episódios antigos e me deparei com um onde a Juliana comenta sobre a “lésbica espectral”, um termo usado no livro “The apparitional lesbian” onde a autora Terry Castle comenta como autoras lésbicas canônicas costumam ser “higienizadas” por pesquisadores e tratadas como mulheres solteironas, atormentadas, “reclusas assexuadas” e outras justificativas para tentar desconsiderar a possibilidade delas terem tido relações com mulheres (elas teriam apenas uma relação platônica, intelectual etc). O principal ponto é justamente falar como a sexualidade não-heteronormativa entre mulheres é apagada por intelectuais que estudam sua obra posteriormente, autoras como Virginia Wolf, Emily Dickinson e Carson McCullers que mesmo quando são encontradas cartas e diários relatando o desejo delas por outras mulheres as suas palavras são caladas ou então lidas por um certo grupo de intelectuais como “uma fantasia” ou então são usadas desculpas freudianas para desmenti-las (isso tudo é comentado neste episódio aqui ).


Fiquei com isso na cabeça e como agora, agosto, é o mês da visibilidade lésbica, me pareceu uma oportunidade ótima para ressuscitar o meu pequeno canto na internet e voltar com o fear this queer para falar sobre escritoras lésbicas que escreveram obras de terror e que acabaram caindo no esquecimento ou então são desconhecidas em terra brasileiras. A primeira escolhida foi a escritora inglesa Violet  Paget, mais conhecida pelo seu pseudônimo: Vernon Lee. Acabei descobrindo essa autora enquanto lia o livro “ Monster, she wrote” da autora Lisa Kroger, um livro interessantíssimo que elenca várias escritoras de terror junto com mini biografias delas, e também graças a editora Baileys que publicou lá fora uma coleção chamada “Reclaim her name” que reúne vários livros de escritoras que lançaram seus livros com pseudônimos masculinos.


Violet é uma figura interessantíssima. Ela nasceu em 1856 na França filha de pais britânicos expatriados, embora a família não fosse pobre quase toda a herança que a mãe dela tinha direito estava presa no meio de embates legais o que deixou a família em uma situação econômica por um bom tempo. Lisa Kroger aponta que desde cedo ela sabia falar várias línguas, tinha interesse pela escrita e descreve também brincadeira peculiar que ela tinha com os amiguinhos: ler sobre execuções históricas e encena-las. Violet publica o seu primeiro conto aos 14 anos e ao longo dos anos iria criar uma vasta obra de histórias de fantasmas e de livros sobre arte. Além de escritora Violet era também uma intelectual que se interessava por assuntos como arte, história, filosofia e principalmente filosofia da estética (philosphy of the aesthetics) chegando a escrever livros sobre o assunto. Lisa Kroger aponta inclusive que esta teria sido uma das principais razões pelas quais ela escolheu adotar o pseudônimo masculino “Vernon Lee”, porque segundo ela "ninguém leria um livro sobre arte escrito por uma mulher."

foto de Violet Paget


Violet se envolveu com o movimento feminista, mais perto do final da sua vida com o pacifismo (em razão da Primeira Guerra Mundial), virou amiga de escritores importantes da época como o Henry James e teve relações duradouras com outras mulheres (que ela não fazia questão de esconder). Ela teve um relacionamento de quase dez anos com a também escritora Mary Robinson e, após o fim deste, um relacionamento ainda mais duradouro com Clementina “Kit” Anstruther-Thonson.


O livro “Monster, she wrote” destaca como as histórias de assombração de Violet tem um forte componente psicológico e transcreve uma fala dela sobre fantasmas na literatura e na arte: “Nenhum de nós acredita em fantasmas como uma possibilidade lógica, mas a maioria de nós concebe eles como possibilidades da imaginação… Por fantasma não estamos falando da aparição vulgar que é vista ou ouvida em histórias escritas ou contadas; nós estamos falando do fantasma que lentamente se ergue na nossa mente, a assombração não de corredores ou escadas, mas da nossa imaginação”. Lisa Kroger destaca então que Violet não se interessava pelos os fantasmas por acreditar que eles pudessem ser reais, mas por revelarem coisas sobre quem contava as histórias sobre eles.


As suas obras mais famosas são a novela “Phantom Lover” e o livro de contos “Hauntings” (ambos inéditos no Brasil, infelizmente), em ambos os casos é possível ver refletidos neles personagens femininas que desafiam as normas e ecos da lesbianidade da autora. Korger destaca, por exemplo, que em “Phantom Lover” existe uma personagem feminina que se vestiria como um homem à moda Elizabetana e que se torna alvo da obsessão de outra personagem feminina (interessante observar também que isso também reflete uma das características mais marcantes de Violet era justamente o fato dela se vestir com roupas consideradas masculinas e ter um visual andrógino, Kroger chega a considerar isso uma " atitude rebelde contra a construção social do gênero").


Violet morreu em 1935 na Itália (país onde viveu grande parte da sua vida) tendo o desgosto de ter visto a a ascensão do fascismo. Por muito tempo a sua obra ficou esquecida antes de ser resgatada por estudiosas feministas nos anos 90. A sua obra infelizmente ainda está bem longe do acesso ao público brasileiro, embora um de seus contos tenha sido publicado na coletânea “Vitorianas Macabras” lançada pela editora Darkside. Para quem consegue ler no original o pdf do livro “Phantom Lover” foi disponibilizado gratuitamente no site da editora Baileys junto com os outros títulos da coleção “Reclaim her name”, você pode encontrar o livro aqui .



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